Comportamentos autolesivos e ideação suicida
A adolescência é caracterizada por ser uma fase de inúmeros desafios. É um período de intenso crescimento físico e emocional, desde a adaptação a um novo corpo e nova aparência, às espectativas de novas experiências e relacionamentos. O adolescente vive esta fase numa ambiguidade entre o medo e o desejo de crescer, o que gera angústia e sofrimento emocional. As variações do humor e os sentimentos característicos desta fase de descoberta, mas também de dúvida e insegurança, podem conduzir os jovens a momentos de rigidez do pensamento e de auto-perceção de razão absoluta, intercalados com outros de insegurança marcada e infelicidade extrema.
Infelizmente com alguma frequência, os adolescentes, na tentativa de alívio de sentimentos de angústia, sofrimento e solidão, magoam-se de propósito, recorrendo a cortes, outras formas de autoagressão física ou mesmo sobredosagens de medicação.
Estes comportamentos de autoagressão ou autolesão, ainda que não estejam necessariamente relacionados com ideação suicida, podem ainda assim ser preditores de suicídio consumado, principalmente quando surgem associados a estilos de vida não saudáveis, reduzida capacidade de resolução de problemas, dificuldades na gestão do stress, perturbações de saúde mental relacionadas com a ansiedade, depressão e dificuldades de autoaceitação. Tais comportamentos são realizados como uma forma de reduzir a tensão e/ou sentimentos negativos, como punição por supostos erros ou noção de culpa, para resolver dificuldades interpessoais ou ainda como um pedido indireto de ajuda.
Muitos adolescentes reportam que a automutilação não lhes provoca dor, apenas uma sensação de libertação/alívio rápido e imediato dos sentimentos de tristeza, vazio e anedonia (incapacidade de sentir prazer por atividades de que anteriormente gostavam) que os avassalam. Esta aparente ausência de dor, por seu turno, poderá explicar o carácter “viciante” destes comportamentos.
A autoagressão não pode ser menosprezada, relativizada ou ignorada, carecendo sempre de algum tipo de abordagem, sempre que detetada. É fulcral ajudar estes adolescentes, no sentido de minimizar o seu sofrimento e de os ajudar a gerir eficazmente os seus pensamentos e angústias. Tanto quanto possível, o ideal será prevenir, modificando fatores que predisponham o indivíduo à autolesão, dialogando e facilitando o pedido de ajuda, reduzindo os preconceitos associados às questões da saúde/doença mental, treinando estratégias de ajustamento eficazes, reforçando a autoestima e promovendo a saúde mental na escola, em casa e na sociedade em geral.
O mais importante será ouvir os jovens e as famílias, ajudando-os a procurar soluções e alternativas à autolesão, trabalhando em conjunto com profissionais de saúde, professores, outros familiares e amigos. Importa ainda reforçar e insistir em estratégias saudáveis de ajustamento e entretenimento (desporto, hobbies), falar abertamente acerca dos problemas, permitir/sugerir a partilha de sentimentos entendidos como sufocantes ou negativos, desmistificar e facilitar o pedido de ajuda e tentar perceber a “dor emocional”.
Todas estas medidas são muito importantes e, ainda que não representem uma abordagem fácil, é absolutamente necessária para prevenir situações mais graves, como o suicídio.
Quando os adolescentes, para além dos desafios expectáveis desta fase da vida, têm de lidar com outros problemas, como viver num ambiente violento ou abusivo, a vida torna-se certamente ainda mais difícil.
No contexto das preocupações com a imagem corporal, com a sexualidade e com os relacionamentos que se estabelecem, pode haver receio que os sentimentos ou atrações não sejam normais, levando a questões como se algum dia serão amados ou aceites. Noutras situações, dificuldades de aprendizagem ou atenção podem criar obstáculos ao sucesso escolar, gerando sentimentos de desalento e desapontamento consigo próprios, assumindo que não têm valor ou que são uma desilusão para os outros. A isto muitas vezes junta-se a noção de falta de apoio e desesperança de encontrar soluções, que se agravam quando ocorrem situações de perda, aumentando ainda mais a sensação de fracasso, sobrecarga e sufocação, como se não houvesse saída para aquele estado. Perante tal sensação de desespero e impotência para mudar a vida, pode surgir a ideia de morrer, assumindo-se o suicídio como a ilusão de algum conforto e/ou controlo sobre a situação.
Apesar disto, os próprios pensamentos e sentimentos suicidas podem ser aterrorizantes, gerando anda mais ambivalência e sofrimento, e continuando a assumir-se erradamente como a suposta única escapatória e forma de alívio de pensamentos e sentimentos negativos e dolorosos.
Na adolescência, muitas vezes o suicídio é planeado, mas outras vezes as tentativas acontecem por impulso, num momento de desespero. Existem alguns sinais que podem indicar que alguém está a pensar suicidar-se, nomeadamente se fala sobre o suicídio, sobre a morte ou sobre “ir embora”, “não estar mais aqui”, “desaparecer”, se menciona que já não vai mais precisar de algo ou algum objeto pessoal, se aborda o tema do desespero e de culpa, se se afasta de amigos e/ou familiares, se perde o interesse em sair de casa ou pelas atividades que antes lhe eram significativas, se tem dificuldade em concentrar-se, se apresenta alterações no padrão alimentar ou se sono e/ou se assume comportamentos autoagressivos/destrutivos, como beber álcool exageradamente, consumir drogas ou auto mutilar-se. Apesar disto, algumas pessoas não dão pistas muito evidentes de que estão a pensar suicidar-se, sendo importante que os conviventes significativos conheçam o padrão comportamental e não tenham receio de falar sobre este assunto, em caso de suspeita. Essa abordagem pode muito bem ser a oportunidade de que o adolescente precisa para assumir que não está bem, abrindo caminho ao tão necessário pedido de ajuda. Nestes casos, relativizar, desvalorizar ou não falar sobre o assunto, pode fazer com que a vida do adolescente esteja em risco e isso não pode de forma alguma acontecer.
"Baseado no Projeto +Contigo: promoção de saúde mental e prevenção de comportamentos suicidários na comunidade educativa"